Imagine em pleno século 21 voltarmos a ter hábitos como pegar um trem para circular por várias localidades e ainda vermos cargas chegando às regiões pelos trilhos, como os mantidos em outros países. Poderíamos ver pelas janelas paisagens, como as do Rio Paraguaçu e da Serra da Putuma, ouvindo o apito do trem. Em vista disso, pesquisadores das Universidades do Estado da Bahia (UNEB) e da Estadual de Feira de Santana (UEFS) estão colocando em discussão uma proposta de mobilidade e de sustentabilidade para os habitantes e gestores do Estado e dos municípios do Recôncavo Baiano.
Apoiada pela UNEB, a equipe de trabalho, composta por integrantes dos Grupos de Pesquisa Recôncavo (UNEB), Cidades e o Urbano (UNEB) e GEOLANDS (UEFS), realizou nos dias 26 e 27 de setembro, quatro Rodas de Conversa intituladas – Novas perspectivas da mobilidade territorial na Rede Urbana do Recôncavo Baiano nos municípios de Santo Amaro da Purificação, Cachoeira, São Félix e Conceição da Feira. Essa atividade técnica teve o propósito de ouvir a população residente e aplicar questionários sobre assuntos relacionados aos transportes e deslocamentos nos municípios, bem como, dialogar sobre a temática com os gestores e representantes da sociedade civil organizada.
A iniciativa deste estudo surgiu após aprovação de proposta elaborada pelos Grupos de Pesquisa Recôncavo e Cidades e o Urbano no edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), para estudar o Sistema Viário Oeste (SVO) e analisar os possíveis impactos decorrentes da implantação da Ponte Salvador-Ilha de Itaparica. “Na perspectiva de implantação da Ponte, constatamos a existência de pontos antagônicos: o primeiro é a necessidade urgente de intervenção nos problemas de mobilidade da população, já o segundo é a previsão de intensificação dos fluxos de pessoas e mercadorias nos arredores da Ilha de Itaparica, com exclusividade do modal rodoviário, o que afetará o uso e a ocupação do solo, trazendo ameaça aos ecossistemas costeiros”. Esse é o alerta apresentado pelo Coordenador do Grupo Recôncavo (UNEB) e do Projeto de Pesquisa “Integração entre os diferentes modais de transportes no Recôncavo Baiano”, professor Miguel Cerqueira Santos.
Após a etapa de coleta de dados primários e secundários, bem como do levantamento cartográfico da malha ferroviária já existente, os pesquisadores, contando com a parceria do grupo GEOLANDS (UEFS), defende uma proposta preliminar da implantação de um sistema viário integrado, inserindo os transportes ferroviários, marítimos e hidroviários, que circulam por essa região, articulado com o contexto estadual e nacional de modo a subsidiar políticas públicas que possam gerar novas trajetórias de desenvolvimento territorial e ambiental. Nessa proposta, merece destaque o respeito e o comprometimento com a riqueza ambiental, cultural, material e imaterial do entorno da Baía de Todos os Santos e a manutenção de diversas práticas culturais que fazem parte das tradições locais e ou regionais.
Durante as rodas de conversa, os participantes expressaram preocupações com a mobilidade no âmbito interno e externo de cada município, uma vez que as diversas estruturas de educação e lazer estão centradas nas sedes dos 64 municípios que englobam a Rede Urbana do Recôncavo. Preponderantemente, foi observado que é de extrema urgência desenvolver uma melhor articulação entre as comunidades rurais e urbanas, para atender as demandas dos deslocamentos por meio das estradas vicinais. É nesse ponto que o grupo de pesquisadores vê com preocupação megaprojetos de vias rodoviárias, o que resultará aumento de acidentes, emissão de gases tóxicos e a consequente exclusão das populações tradicionais e mais vulneráveis socialmente. Assim, a perspectiva do grupo de pesquisadores é lançar uma proposição calcada na interação entre o tradicional e o moderno, com intuito de possibilitar que os moradores usufruam de espaços e equipamentos (bens culturais, atividades desportivas e educacionais) com mais conforto e bem estar social.
A proposição de mudanças quantitativas e qualitativas no fluxo de pessoas, mercadorias e carros é um dos maiores desafios de mobilidade e exigências atuais deste século. Por esse motivo, o coordenador do Grupo GEOLANDS (UEFS), Jémison Santos, considera que a logística é um fator econômico vital nos custos das empresas, e esta é uma excelente oportunidade para os gestores públicos e privados do Estado contribuírem com a redução da pobreza, desigualdade social e proteção ambiental. Para tanto, segundo ele “deve-se analisar o ambiente, do Recôncavo, de forma integrada e participativa, bem como considerar a dinâmica do complexo geoambiental; os fatos e fenômenos deste espaço-território que notadamente é estratégico para o desenvolvimento socioeconômico, turístico e cultural da Bahia e do Nordeste brasileiro”. O que coincide com a preocupação do professor Joilson Cruz da Silva, pesquisador do grupo Cidades e o Urbano, sobre a discussão em torno da desativação das ferrovias na região que afetou a economia e o desenvolvimento territorial, com prejuízos para as atividades relacionadas ao comércio e aos serviços.
Seguindo essa mesma reflexão, os trabalhadores e ex-trabalhadores das vias férreas, presentes nas rodas que ocorreram em Cachoeira e São Félix, levantaram questões cruciais relacionadas ao processo de sucateamento das ferrovias, abandono das estações e interrupções de projetos que foram feitos sem a devida discussão com a população. Para estes, as autoridades não se responsabilizam pelo desenvolvimento de políticas públicas voltadas para valorização e preservação do patrimônio ambiental, histórico e cultural. Não obstante, é necessário se rediscutir um roteiro que vise a inserção dos municípios nas conexões entre os diversos modais, sem impactar cidades e patrimônios tombados, a exemplo de Cachoeira.
Por gerar renda e emancipação social, a economia turística constitui-se uma das principais fontes de renda das populações do Recôncavo e evita que parte da população seja obrigada a migrar para os centros urbanos em busca de trabalho e melhores condições. A proposição de itinerários turísticos no trecho Santo Amaro – Conceição da Feira – Cachoeira – São Félix, por meio de trem, segundo o pesquisador do Grupo Recôncavo, Jânio Roque, traria contribuições para o dinamismo e a perenização do fluxo turístico na região. “Para além de ampliar as rotas de visitação dos locais turísticos, nas áreas rurais e urbanas, também é indispensável o estímulo de políticas de educação e financiamento, voltadas à participação da população nos investimentos da atividade turística”, relata Jânio. Em consequência disso, práticas como o turismo cultural sustentável de base comunitária, com forte participação de movimentos sociais organizados, serão estimuladas e favorecerão associações de moradores e os coletivos etnoterritoriais altamente relevantes, a exemplo da Trilha da Liberdade, da comunidade quilombola do distrito de Iguape, no município de Cachoeira.
Contudo, as alterações e o aumento do turismo na região, especialmente os relativos às atividades predatórias, como às de massa, vêm gerando prejuízos às já precárias infraestruturas dos municípios, a exemplo de falta de energia elétrica e de água, o que preocupa os moradores participantes das rodas de conversa. Sobre essa questão, a estudante de Geografia da UEFS e membro do grupo, Norma Eliane Reis Carvalho, aponta que intervenções no fluxo das cidades devem ser discutidas com suas populações, de maneira transparente, com o intuito de se pensar e promover novas dinâmicas, a partir dos anseios e de novas configurações físicas e culturais existentes nos municípios. Essa questão fica evidenciada na fala de um morador de Cachoeira ao destacar as dificuldades provocadas pela passagem do único tipo de trem, nos padrões convencionais, com cargas, no percurso que vai desde a entrada da cidade pelo setor sul, na ponte Dom Pedro II, passando por dentro da estação, até alcançar o setor norte, na comunidade da rua da feira.
Ao ser questionado por um dos participantes como pôr em prática esse interessante projeto, o coordenador da pesquisa Miguel Santos, afirmou que assim como os modais precisam de conexões para trazer melhores trajetórias de desenvolvimento, estudos dessa natureza também precisam de articulação. “Estamos fazendo nossa parte, e, enquanto profissionais de instituições públicas de pesquisa, necessitamos trabalhar de maneira articulada com os diferentes setores da sociedade civil e da gestão pública. Com isso, conseguiremos juntos adotar um sistema de transporte integrado – de passageiros, cargas, carros de passeio – com o objetivo de reestabelecer novas trajetórias de desenvolvimento”, concluiu.
EQUIPE DE TRABALHO
Professor Doutor Miguel Cerqueira Santos – Coordenador do projeto e pesquisador do grupo Recôncavo
Professor Doutor Joilson Cruz Silva – Pesquisador do Grupo a Cidade e o Urbano/UNEB
Professor Doutor Jémison Mattos Santos – Coordenador do Grupo de Pesquisa GEOLAND/UEFS
Professor Doutor Jânio Roque B. Castro – Pesquisador Grupo Recôncavo/UNEB Professora Doutora Cláudia Albuquerque de Lima Q. Costa – Pesquisadora do Grupo Recôncavo
Elderney da Silva Souza – Especialista em Geotecnologias/UEFS
Norma Eliane Reis Carvalho – Graduação em Geografia/UEFS
Ailla Andrade – Graduação em Geografia/UNEB
Escrito por: Cláudia Albuquerque de Lima Q. Costa